Você é um Péssimo Ator, JURO

Por Antonio Fernandes

A vida é uma série televisiva de péssimo diretor, orçamento ruim e atores mau treinados. Eu sou um ator mau treinado. Tenho vivido as temporadas como se fossem um filme, tenho feito novas temporadas como reprises de temporadas passadas, tenho escrito capítulos que não tem propósito per si se não pontes de capítulos futuros.

Pra começar, essa mitologia da vida em série vem a calhar por duas razões: número um. Ainda que vivamos nossos dramas como se fossem um filme, nossos dramas tem começo e fim, e amanhã haverá outro episódio com um novo drama. Logo, seria mais inteligente de nós se parássemos de viver os dramas como se fossem um filme, e entendessemos que são apenas um capítulo do desenvolvimento do nosso personagem.

Dois. Os dramas dos capítulos se resumem em grandes arcos. Pior que no primeiro caso, tendemos a achar que os arcos da nossa vida definem nossa vida inteira. Mas a não ser que a série seja cancelada porque você morreu (figurativamente?) Os arcos das suas temporadas não farão mais que te levar para a terceira, quarta ou quinta temporada. Constantemente os arcos não terão absolutamente nada a ver e uma série que vinha sendo de comédia pode se tornar de ação ou de terror ou de suspense.

Não vou viver capítulos como filmes. Nem temporadas como se gravasse uma minissérie. A vida não é um especial de 10 episódios da HBO. A vida é Simpsons. Leva uma eternidade pra acabar, é um esfregado de estereótipos, e quanto mais você pensar sobre, mais depressivo vai ficar com as verdades contidas nela. Ou você pode só pensar no porco aranha e tudo bem.

Eu sou um péssimo diretor quando, dirigindo minha nova temporada, tento deliberadamente escrever ela como alguma temporada passada que eu acho legal (mesmo que não seja lá tão legal assim). Repetir histórias não é genuíno e constantemente dá errado. Então, construir minha história como se ela fosse uma eterna reprise é uma fórmula de fracasso. Não há criatividade em fazer as temporadas da vida de novo e de novo e de novo. Como se você estivesse procurando sempre um outro ator pra fazer um péssimo papel.
Mas ainda que eu tenha errado assim no passado, isso são só meditações e não realidades.
No presente tenho cometido um outro erro. Tenho escrito uma temporada que só serve como ponte para a temporada seguinte. Ela não tem propósito ou objetivo. Todo o objetivo dessa temporada foi construído em torno de tornar a próxima temporada fantástica.

Quer dizer, porra. Quem assistiria uma temporada inteira de uma série só dentro da expectativa de que a temporada seguinte pode ser boa?
É ridículo escrever episódios ponte. Talvez funcione eventualmente em certas ocasiões. Mas a vida não pode ser construída em torno de episódios ponte. Muito menos de temporadas ponte.
Seu arco de história precisa ser escrito no presente. É preciso entreter já. A história precisa acontecer enquanto conversamos.

Porque enquanto houver uma câmera apontada para você, e seu ator não estiver morto, a série cancelada e o show tiver sido esquecido pelo público, haverá riso e dança e fogos e alegria. Haverá histórias.

Porque a humanidade não é composta por homo sapiens. Porque não somos sábios. Pelo menos não 97,35% das maravilhosas pessoas com quem tive o prazer de viver. Elas não são inteligentes. Eu não sou inteligente.
Se procura criaturas sapiens deveria buscar entre formigas, abelhas e golfinhos.

Já ouvi sermos homo afetivus. Também não engoli isso. Seres humanos podem explodir de emoções, mas são racionais e destrutivos quando decidem ser absolutamente implacáveis uns com os outros. Se procura afetivus olhe pinguins, ou dois pássaros aninhados numa flor rosa na manhã de um orvalho frio num cafezal da serra da moeda. Eles entendem amor. Você não.

Somos homo storiatus. Somos seres de histórias, você e eu. A verdadeira evolução humana é ser capaz de recordar o passado, e sentar uns nos ombros dos outros, capítulo após capítulo, temporada após temporada, e construir um show espetáculo de 200 mil anos. A nossa verdadeira habilidade é contar histórias. E viver essas histórias que contamos é tão importante quanto conta-las. E sonhar as histórias do futuro é o que enche nosso peito de calor e emoção. É verdade que Newton pôde ver mais longe. Pois estava sentado nos ombros de gigantes. Mas ele não estava só sentado. Ele viveu, viajou, pensou, pesquisou, escreveu, teve epifanias e eurekas. Discussões, foi feito de trouxa. Se apaixonou. Trocou cartas de amor e em algum momento fez algo estúpido e se achou um idiota. Newton construiu as temporadas da própria vida. Ele não estava só sentado nos ombros de gigantes. Ele navegou com gigantes.

Não viver a vida pensando nas temporadas que acabaram ou criando uma ponte pra temporada que vai vir.
Os problemas são uma passagem. São o capítulo atual. Não se leve tão a sério assim. Quero dizer, você não é Leonardo diCaprio ou Marlon Brando. Você é um ator de quinta, num palco perdido na zona Bohemia de uma cidade que perdeu endereço no tempo. Seu nome será apagado do quadro de giz da soleira da porta, e quando as cortinas rasgadas fecharem, ninguém, além daqueles que riram e choraram dentro daquele teatro, se lembrará de você.

Então pelo amor de Deus.
Quebre a perna, e dê ao público tudo de si. Hoje e agora.

Porque enquanto você lê esse vomitar de ideias as câmeras estão onde você não às vê.

Bem atrás de você.

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