Um Garoto de Aberdeen #5 – Dias Ruins

Por Antonio Fernandes




-Você não pode fazer isso comigo!
-Já fiz. – exclamou baixo e com olhos tristes o pai. Deu um beijo na testa de Wendy, pegou Kim e pôs nos nos ombros, agarrou as três malas empilhadas e saiu de casa.
Kurt não conseguia chorar.

Não conseguia acreditar. Estava petrificado. Olhou para a porta fechando e o barulho ecoou em sua mente, continuado pelo choro alto de sua mãe.
– Eu te odeio Donald Cobain. Você não pode fazer isso comigo! – gritou, pegou um quadro na parede e jogou no chão. Quebrou um porta retrato da família com as mãos e sangue pingou no tapete branco. Caiu no chão berrando – Não pode! Não pode! Donald! Don! Volte aqui Don!

Mas ele se foi.

Kurt pegou a foto suja de sangue do chão e olhou-a. Guardou no bolso e saiu da casa pela porta dos fundos.
Caminhou pela floresta. Lembrou das brincadeiras que teve com Kim. Sua irmãnzinha que ele tanto amava e agora não ia ver mais. Caminhou inerte até o rio e pensou em se jogar nele. Mas não tinha forças pra fazer sequer isso. -“Kurt, cadê você Kurt”? a voz doce da pequena ecoava em sua mente. “Nunca mais.” Ele pensou. “Nunca mais”.

Não soube como, mas se viu vagando pela rua. Caminhava no asfalto e havia tirado a foto do bolso. Olhava pra ela e tentava encontrar algum lugar dentro de si mesmo para se proteger. Eles não podiam fazer aquilo com ele. Não podiam. Era errado. Por que as pessoas casam? Por que as pessoas  se amam se é para terminar tudo daquele jeito? Ele jamais ia amar, decidiu.

Vagava pelas ruas. Chutava latas e ignorava as pessoas. Não se importou quando uma viatura da policia passou. – Porque? – falou baixo pra si mesmo – Porque?

Foi pra casa de Mike, bateu na porta e esperou. Estava prestes a ir embora quando a mãe dele abriu a porta. Não prestou atenção no que ela disse e alguns momentos depois o amigo estava na sua frente.

-Que foi Kurt?
-Ainda tem aqueles baseados?
-Fale baixo! Quer que a casa inteira escute? Me espere nos fundos está bem?

Foram até os bancos do parque, escolheram um lugar próximo ao lago. Mike bolava com habilidade enquanto pensava em como perguntar ao amigo o que acontecera.

Yesterday.

– Oi?

All my troubles seemed so far away. – ele canta baixo
Now it looks as through they’re here to stay.
Oh, i believe in yesterday.

 Mike termina de bolar. Saca o isqueiro e acende, dando um primeiro trago.

Suddenly,


-Kurt, o que aconteceu? – estende o baseado para o outro, que pega e traga, mas não responde.

I’m not half the man i used to be.
There’s a shadow hanging over me.
– O que você está falando? não consigo te escutar.

Oh, yesterday came suddenly.

Why ‘he’ had go I don’t know.
‘He’ wouldn’t say.

-Eu odeio todo mundo Mike.

I said something wrong now I long.

for yesterday.
Yesterday

O garoto traga profundamente e engasga. Passa o baseado.

Love was such an easy game to play.
Now i need a place to hide away.
Oh, i believe in yesterday!

Kurt ri enquanto canta. Suas mãos apertam o banco com mais força do que deveria.

Why ‘he’ had to go I don’t know,
‘He’ wouldn’t say!
I said, something wrong now I long!

Kurt gargalha.

For Yesterday!

– Está escurecendo brow, vamos pra casa? Para com isso Kurt, é sério.
Silêncio.
-Kurt?

Yesterday – ele recomeça baixo

Love was such an easy game to play – não consegue segurar, mas se esforça, precisa terminar a música – Now i need a place to hide away – seus olhos enchem d’água, suas mãos tremem vermelhas agarrando o banco – Oh, I believe…
Não consegue mais segurar. Cai de joelhos no chão e chora. 

Não tem mais uma família afinal.

Uma coruja pia e o dia se foi.

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