Por Antonio Fernandes

Desenho.
Sabe, sou escritor,
mas desenho.
Sinto que sou desenhista.
Talvez também pintor, músico.
As vezes, as vezes sou arquiteto!
Já esculpi rostos, e ainda
ainda moldei caráter,
caráter dum personagem,
Um personagem vivo, assim como você,
assim como eu, sabe?

E coloquei-o ali. Naquele lugar.
Aquele caráter seco.
Aquela casa, mansarda, caída.
Coloquei-o ali, moldado, naquela casa pintada,
pintada de modo rústico, ensaiado.
Era uma casa esfarrapada, amarronzada,
Dessas casas que,
que estão sempre a cair.

Então pintei um mundo.
Um mundo que soava a grandiosidade,
trombetas, trompas, trompetes,
Violões, violoncelos, violinos,
Cavacos, cavaquinhos e cavacões.
Do mais nobre ao menos nobre,
do mais lúcido ao menos lúcido,
Do mais puro ao mais ingênuo.

E o erótico perdido no meio.

E ali estava meu personagem, marrom, sério,
Numa casa marrom, séria,
Em tal mundo grande, belo, lúcido.
Que decaia até meu… personagem.

Sabe, sinto-me um Deus não muito bom artista.
Tendo feito tal personagem, sério,
num tal mundo, lúcido,
Como pode ser? Ter sérios,
E chatos, e infelizes,
tão infelizes e chatos e sérios quanto esse texto,
num mundo pintado tão belo?
Não são peças encaixadas erradas?
Será que não fui
suficientemente arquiteto, para
arquitetar tal plano? E
torna-lo bom o suficiente?

Sou um Deus frustrado.

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